Admirável mundo novo
'Não acho que o fascismo vai vir, ele já está aqui', diz Laymert Garcia dos Santos
Para sociólogo da Unicamp, a
esquerda brasileira precisa compreender o funcionamento das estratégias
tecnológicas para se defender de situações como o grampo contra Lula e
Dilma
esquerda brasileira precisa compreender o funcionamento das estratégias
tecnológicas para se defender de situações como o grampo contra Lula e
Dilma
por Eduardo Maretti, da RBA
publicado
19/03/2016 10:55,
última modificação
19/03/2016 12:06
Reprodução/Youtube
"É preciso anunciar, por cadeia de rádio e TV, o corte dos subsídios dos meios de comunicação golpistas"
São Paulo – Aproveitando o “gancho” do grampo e
a divulgação, na quarta-feira (16), da conversa telefônica entre o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff, o
ex-agente de inteligência da NSA, Edward Snowden, postou no dia seguinte, em sua conta no Twitter, uma séria advertência ao governo brasileiro. "Going dark
é um conto de fadas: três anos depois das manchetes de escutas de
Dilma, ela continua fazendo ligações não criptografadas", escreveu
Snowden. Na mensagem, ele faz uma montagem gráfica lembrando os grampos
do governo dos Estados Unidos contra a presidenta brasileira.
O termo going dark pode ser traduzido como “movimento no
escuro”. É um termo para iniciados em linguagem cibernética. Diz
respeito à utilização da criptografia (escrita em caracteres ou cifras
secretas). O sociólogo Laymert Garcia dos Santos, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), interpreta a mensagem de Snowden como
“luminosa”, e diz que a esquerda brasileira não está percebendo que o
golpe está literalmente em marcha, e que ele é operado tecnologicamente:
“Não existe uma leitura do que está acontecendo, por parte do governo,
nem do PT, nem da esquerda como um todo. As pessoas se espantam com o
processo, mas não estão se preparando para se defender antes de as
coisas acontecerem”, diz.
Entender a utilização de estratégias tecnológicas é vital para evitar situações como o grampo contra Lula e Dilma, diz Laymert. A capacidade de reagir e contra-atacar da esquerda brasileira, neste momento de “ruptura com o regime democrático”, passa pela
compreensão dos meios sofisticados utilizados pelas esferas que detêm o
conhecimento tecnológico. Sem esse entendimento, a esquerda ficará mais
e mais acuada.
Apesar de tudo, ainda há uma boa notícia, acredita o sociólogo:
o fato de que a esquerda começa a reagir e já há resistência ao golpe.
“Mas não basta reagir como tática defensiva. É preciso mostrar à
população o que está em jogo, mostrar onde está o problema, e não só se
defender, mas começar a atacar."
Laymert falou à RBA:
Como você analisa a declaração de Edward Snowden no
twitter: “Três anos depois das manchetes de escutas de Dilma, ela
continua fazendo ligações não criptografadas"?
No meu entender, o comentário do Snowden é pequeno, mas luminoso. Ele
mostra o despreparo do governo brasileiro e da presidenta com relação
ao próprio processo e a estratégia que está em curso de
desestabilização, na medida em que ele comenta que três anos depois de
ter sido revelado o grampo da NSA contra Dilma e outros chefes de
Estado, ela ainda se comunica sem criptografia. Significa que isso não
entrou no âmbito do governo, dos políticos ou da máquina do Estado, que
precisava ter uma precaução de defesa, e nada foi feito nesse sentido.
Não existe uma leitura do que está acontecendo, por parte do governo, nem do PT, nem da esquerda como um todo. As pessoas se espantam com o processo,
ficam abismadas com o grau de violência, mas não estão se preparando
para se defender antes das coisas acontecerem. O governo não tem uma
visão estratégica sobre o que está acontecendo.
Esse é um problema mais da esquerda brasileira ou se pode generalizar para a esquerda mundialmente?
Acho que tem um problema com a esquerda brasileira, que tem um
bom-mocismo e uma ingenuidade muito grande. Existem teorizações a
respeito de que tipo de política é essa, uma estratégia de produção do
caos, que é feita como guerra contemporânea. Isso não é levado em conta
aqui. A pessoa que fez a melhor leitura do que está acontecendo é o Luis
Nassif, que mostra no blog dele qual é o sentido de produção de caos
como uma estratégia.
A esquerda insiste que o problema é Moro, mas Moro é apenas o
operador da estratégia, ele nem tem preparo para pensar essa estratégia,
não tem vocabulário, nem pensamento para fazer uma estratégia como
essa. O foco não está onde deveria estar, que é onde o Nassif chamou de
“alto comando”, que é a procuradoria, Janot, a equipe dos procuradores, o
nível de articulação do alto judiciário, que é a cabeça dessa
estratégia de desestabilização. Lula argumenta que há esperança na
instância superior, de que quando chegar, no limite, no Supremo, vai
haver uma reversão das violências. É uma crença que não tem mais base,
porque, mais do que sinais, há atos e omissões que mostram que não cabe
mais a esperança de que a Constituição será em última instância
defendida. A Constituição já foi violada “N” vezes nos últimos meses, e
nas últimas semanas de modo absolutamente escandaloso. Não cabe mais a
expectativa de que em última instância a República será salva.
Assim como em relação à tecnologia, a esquerda também é
ingênua quanto ao Direito, como disse o jurista Bandeira de Mello: “A
esquerda tem um defeito, a meu ver: é o desprezo pelo Direito”?
Exatamente. Acho até que esse despreparo num terreno tem a ver com o
outro. O despreparo do governo em lidar com a questão da criptografia
não diz respeito só à questão tecnológica. É, também, mas é sobretudo
estratégico. Não sei onde está a inteligência do governo. Não sei onde
estão as pessoas que sabem fazer a leitura sobre essa desestabilização
que se compara com outras que já aconteceram no passado. Parece que não
tem quem faça essa leitura.
No diálogo da Dilma com o Lula, sobre a condução coercitiva do Lula,
dá impressão de que eles não estavam sabendo nada do que estava
acontecendo! Mostra que não existia da parte da assessoria deles ninguém
alertando em que pé estava o jogo. Por outro lado, você vê que a
militância está acordando, e existe energia para resistir. Mas só existe
energia pra resistir se houver rumo, e só há rumo se houver clareza com
relação a saber em que jogo se está.
Estamos à beira de uma realidade fascista que pode predominar?
Não é que isso já está no ar, já está acontecendo. Minha referência é
o que aconteceu nos anos 1930, com a progressão dos enunciados até se
chegar à enunciação não só da solução final, mas da guerra total. Não
acho que o fascismo vai vir, ele já está aqui.
Mas ele pode ser organizado e se tornar dominante?
Claro que pode. Estamos vivendo uma espécie de fascismo de rua, mas
ele é concomitante com toda uma argumentação jurídica que está sendo
construída, que é ilegal e inconstitucional, uma ruptura com o regime
democrático e com os princípios da Constituição. Estamos vendo a
construção disso tudo, através das violências jurídicas e do
estabelecimento de uma nova jurisprudência, entre aspas, que lembra
muito o tempo do fascismo.
No entanto, no próprio Supremo existem ministros como Luís
Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e mesmo Marco Aurélio Mello que têm
defendido pontos de vista constitucionais...
Mas tem que ver concretamente o que está sendo produzido do ponto de
vista jurídico como legitimização de algo que é impensável e
inadmissível em termos constitucionais, e que continua evoluindo.
Diante desse quadro, há possibilidade de a sociedade e as instituições reagirem?
Acho que potencial para reagir é claro que tem. Mas acontece que,
primeiro, as vozes que elaboram alguma coisa são pouquíssimo ouvidas, a
começar pelos próprios juristas, porque tem toda uma despotenciação das
vozes críticas; mas, por outro lado, da parte do governo e do próprio PT
tem que ir além da reação. Começou até se esboçar uma resistência.
Antes não existia nem resistência. Mas a resistência não pode ser só uma
coisa defensiva, tem que avançar, porque senão não vai dar tempo.
Avançar como?
É preciso dar inteligibilidade para a suposta maioria da população
brasileira, com atos fortes, mostrar à população o que está em jogo,
mostrando onde está o problema, e não só se defender, mas começar a
atacar, porque até agora não houve ataque. Antes não tinha reação. Agora
começou a ter reação, mas até agora a reação é de pura defesa.
O que seria uma reação de ataque?
Por exemplo, anunciar por cadeia de rádio e televisão o corte dos subsídios (por meio de verbas publicitárias)
dos meios de comunicação golpistas. Ficaria claro para a população um
pronunciamento nesse sentido. A gente já passou da fase de tentar
negociar. Eles não negociam nada. Não tem o que negociar.
a divulgação, na quarta-feira (16), da conversa telefônica entre o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff, o
ex-agente de inteligência da NSA, Edward Snowden, postou no dia seguinte, em sua conta no Twitter, uma séria advertência ao governo brasileiro. "Going dark
é um conto de fadas: três anos depois das manchetes de escutas de
Dilma, ela continua fazendo ligações não criptografadas", escreveu
Snowden. Na mensagem, ele faz uma montagem gráfica lembrando os grampos
do governo dos Estados Unidos contra a presidenta brasileira.
O termo going dark pode ser traduzido como “movimento no
escuro”. É um termo para iniciados em linguagem cibernética. Diz
respeito à utilização da criptografia (escrita em caracteres ou cifras
secretas). O sociólogo Laymert Garcia dos Santos, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), interpreta a mensagem de Snowden como
“luminosa”, e diz que a esquerda brasileira não está percebendo que o
golpe está literalmente em marcha, e que ele é operado tecnologicamente:
“Não existe uma leitura do que está acontecendo, por parte do governo,
nem do PT, nem da esquerda como um todo. As pessoas se espantam com o
processo, mas não estão se preparando para se defender antes de as
coisas acontecerem”, diz.
Entender a utilização de estratégias tecnológicas é vital para evitar situações como o grampo contra Lula e Dilma, diz Laymert. A capacidade de reagir e contra-atacar da esquerda brasileira, neste momento de “ruptura com o regime democrático”, passa pela
compreensão dos meios sofisticados utilizados pelas esferas que detêm o
conhecimento tecnológico. Sem esse entendimento, a esquerda ficará mais
e mais acuada.
Apesar de tudo, ainda há uma boa notícia, acredita o sociólogo:
o fato de que a esquerda começa a reagir e já há resistência ao golpe.
“Mas não basta reagir como tática defensiva. É preciso mostrar à
população o que está em jogo, mostrar onde está o problema, e não só se
defender, mas começar a atacar."
Laymert falou à RBA:
Como você analisa a declaração de Edward Snowden no
twitter: “Três anos depois das manchetes de escutas de Dilma, ela
continua fazendo ligações não criptografadas"?
No meu entender, o comentário do Snowden é pequeno, mas luminoso. Ele
mostra o despreparo do governo brasileiro e da presidenta com relação
ao próprio processo e a estratégia que está em curso de
desestabilização, na medida em que ele comenta que três anos depois de
ter sido revelado o grampo da NSA contra Dilma e outros chefes de
Estado, ela ainda se comunica sem criptografia. Significa que isso não
entrou no âmbito do governo, dos políticos ou da máquina do Estado, que
precisava ter uma precaução de defesa, e nada foi feito nesse sentido.
Não existe uma leitura do que está acontecendo, por parte do governo, nem do PT, nem da esquerda como um todo. As pessoas se espantam com o processo,
ficam abismadas com o grau de violência, mas não estão se preparando
para se defender antes das coisas acontecerem. O governo não tem uma
visão estratégica sobre o que está acontecendo.
Esse é um problema mais da esquerda brasileira ou se pode generalizar para a esquerda mundialmente?
Acho que tem um problema com a esquerda brasileira, que tem um
bom-mocismo e uma ingenuidade muito grande. Existem teorizações a
respeito de que tipo de política é essa, uma estratégia de produção do
caos, que é feita como guerra contemporânea. Isso não é levado em conta
aqui. A pessoa que fez a melhor leitura do que está acontecendo é o Luis
Nassif, que mostra no blog dele qual é o sentido de produção de caos
como uma estratégia.
A esquerda insiste que o problema é Moro, mas Moro é apenas o
operador da estratégia, ele nem tem preparo para pensar essa estratégia,
não tem vocabulário, nem pensamento para fazer uma estratégia como
essa. O foco não está onde deveria estar, que é onde o Nassif chamou de
“alto comando”, que é a procuradoria, Janot, a equipe dos procuradores, o
nível de articulação do alto judiciário, que é a cabeça dessa
estratégia de desestabilização. Lula argumenta que há esperança na
instância superior, de que quando chegar, no limite, no Supremo, vai
haver uma reversão das violências. É uma crença que não tem mais base,
porque, mais do que sinais, há atos e omissões que mostram que não cabe
mais a esperança de que a Constituição será em última instância
defendida. A Constituição já foi violada “N” vezes nos últimos meses, e
nas últimas semanas de modo absolutamente escandaloso. Não cabe mais a
expectativa de que em última instância a República será salva.
Assim como em relação à tecnologia, a esquerda também é
ingênua quanto ao Direito, como disse o jurista Bandeira de Mello: “A
esquerda tem um defeito, a meu ver: é o desprezo pelo Direito”?
Exatamente. Acho até que esse despreparo num terreno tem a ver com o
outro. O despreparo do governo em lidar com a questão da criptografia
não diz respeito só à questão tecnológica. É, também, mas é sobretudo
estratégico. Não sei onde está a inteligência do governo. Não sei onde
estão as pessoas que sabem fazer a leitura sobre essa desestabilização
que se compara com outras que já aconteceram no passado. Parece que não
tem quem faça essa leitura.
No diálogo da Dilma com o Lula, sobre a condução coercitiva do Lula,
dá impressão de que eles não estavam sabendo nada do que estava
acontecendo! Mostra que não existia da parte da assessoria deles ninguém
alertando em que pé estava o jogo. Por outro lado, você vê que a
militância está acordando, e existe energia para resistir. Mas só existe
energia pra resistir se houver rumo, e só há rumo se houver clareza com
relação a saber em que jogo se está.
Estamos à beira de uma realidade fascista que pode predominar?
Não é que isso já está no ar, já está acontecendo. Minha referência é
o que aconteceu nos anos 1930, com a progressão dos enunciados até se
chegar à enunciação não só da solução final, mas da guerra total. Não
acho que o fascismo vai vir, ele já está aqui.
Mas ele pode ser organizado e se tornar dominante?
Claro que pode. Estamos vivendo uma espécie de fascismo de rua, mas
ele é concomitante com toda uma argumentação jurídica que está sendo
construída, que é ilegal e inconstitucional, uma ruptura com o regime
democrático e com os princípios da Constituição. Estamos vendo a
construção disso tudo, através das violências jurídicas e do
estabelecimento de uma nova jurisprudência, entre aspas, que lembra
muito o tempo do fascismo.
No entanto, no próprio Supremo existem ministros como Luís
Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e mesmo Marco Aurélio Mello que têm
defendido pontos de vista constitucionais...
Mas tem que ver concretamente o que está sendo produzido do ponto de
vista jurídico como legitimização de algo que é impensável e
inadmissível em termos constitucionais, e que continua evoluindo.
Diante desse quadro, há possibilidade de a sociedade e as instituições reagirem?
Acho que potencial para reagir é claro que tem. Mas acontece que,
primeiro, as vozes que elaboram alguma coisa são pouquíssimo ouvidas, a
começar pelos próprios juristas, porque tem toda uma despotenciação das
vozes críticas; mas, por outro lado, da parte do governo e do próprio PT
tem que ir além da reação. Começou até se esboçar uma resistência.
Antes não existia nem resistência. Mas a resistência não pode ser só uma
coisa defensiva, tem que avançar, porque senão não vai dar tempo.
Avançar como?
É preciso dar inteligibilidade para a suposta maioria da população
brasileira, com atos fortes, mostrar à população o que está em jogo,
mostrando onde está o problema, e não só se defender, mas começar a
atacar, porque até agora não houve ataque. Antes não tinha reação. Agora
começou a ter reação, mas até agora a reação é de pura defesa.
O que seria uma reação de ataque?
Por exemplo, anunciar por cadeia de rádio e televisão o corte dos subsídios (por meio de verbas publicitárias)
dos meios de comunicação golpistas. Ficaria claro para a população um
pronunciamento nesse sentido. A gente já passou da fase de tentar
negociar. Eles não negociam nada. Não tem o que negociar.
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